A Menina que Nasceu Poesia
Não era uma vez, era tanta vez que
perdi a conta
Que nesse faz-de-conta a menina
nascia
Nascia prosa, verso
Nascia átomo, universo
A Menina nascia poesia
De tão poesia que era
Despertava com as flores
Brincava de saudade
Pintava quadros com amoras e amores
Dormia entre estrelas
Cobria-se com o luar
Até no seu bocejar havia harmonia
Aquela menina que nasceu poesia
Seu pranto era um riacho
Em seus poros emanavam gotas de Afrodite
Acredite, ela carregava o Sol como
laço de fita
Sua pele era a expressão do mais belo
dia
Na Menina que nasceu Poesia
Quem via a menina correndo descalça
Fazendo das poças de lama seu
parceiro de valsa
Não acreditava em tanta alegria
Avisavam: - Menina, assim ocê cai!
Ela, fazendo-se de surda, bailava entre pedriscos
Ela, fazendo-se de surda, bailava entre pedriscos
Ah, aqueles pezinhos ariscos!
Rabiscavam o chão com Poesia!
Ao entardecer, a Menina sentava-se
Embaixo de uma pitangueira
E toda faceira, folheava sua vida
Pensava nos amores que teve
Nos sorrisos que ainda ofereceria
Às pessoas que por ela transitavam
E debaixo da pitangueira adormecia
Sonhava então com um mundo
Como uma folha em branco
Onde cada passo seria uma estrofe
Cada amizade uma doce simetria
Sem borrachas para apagar os
rascunhos
Assim era o sonho da Menina-Poesia
Perdia a hora de jantar
Sua mãe ralhava: - Cá pra dentro,
Poesia!
Vem banhar!
Ela colhia pitangas, fazia da barra
do vestido uma bolsa
- Tô indo, manhê!
E corria...corria como se pisasse em
brasa
Em cinco segundos estava em casa
Pitangas rolando pra baixo da
escadaria
Os pés sujos com a terra-tinta do seu
mundo-tela
Deixando rastros de aquarela
A Menina coloria seu lar
A Menina que nasceu Poesia.
O pai chegava do trabalho
Beijava a mãe e perguntava:
- A Poesia adormeceu?
- Faz tempo! – a mãe respondia
- Mas deixou em cima da mesa umas
pitangas
Pra você comer depois do jantar
O pai ia ao quarto da Menina
Cobria-lhe o peito, beijava-lhe a
testa
Alisava-lhe o cabelo e baixinho
dizia:
- Como pode num ser tão pequeno,
caber tanta Poesia?
Deixava a porta entreaberta, uma
terna luz iluminava a Menina
E com um doce suspiro, o pai se
despedia.
A Menina abria um olhinho e sem que o
pai escutasse
Respondia sua pergunta:
- É por ser tão pequena que carrego
Poesia!